Não é novidade para ninguém, que o gênero “true crime” de produções de programas de áudio – podcasts e programas de rádio – e audiovisuais – séries, filmes, jornais televisivos – sempre foram um grande sucesso no ramo do entretenimento.
Seja através de sua exploração através de famosas produções brasileiras como “Linha Direta” ou “Brasil Urgente”, programas televisivos de grande sucesso desde a década de 90, seja através de séries, filmes ou documentários nacionais e internacionais, produzidos e disponibilizados nos canais de streaming.
O porquê deste sucesso, já foi e continua a ser o objeto de diversos estudos, os quais com muitas hipóteses e assunções, tenta justificá-lo [1].
A nós, contudo, interessa esclarecer uma dúvida latente sobre o assunto: a quem pertenceriam os direitos autorais e de imagem sobre filmes, documentários e séries do gênero “true crime”?
De início, necessário esclarecer que “direito autoral” e “direito de imagem” disciplinam matérias distintas da Lei.
Neste sentido, o Direito Autoral trata-se de ramo da propriedade intelectual a qual regula os direitos do autor sobre a obra intelectual – literária, artística ou científica, previstos especialmente, na Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais – LDA) e na Lei nº 9.609/98 (Lei de Programas de Computador – LPC).
Sendo que, obras intelectuais protegidas pela Legislação, seriam as “criações do espírito” previstas no art. 7º da LDA [2], as quais, envolvem: (i) a criação de algo inédito, a partir do intelecto humano – capacidade criativa e engenhosidade; e (ii) a sua necessária exteriorização – não se protegendo ideias -, a qual deverá se dar através de suporte tangível ou intangível, e que não se limite a tecnologias, suportes e circunstâncias existentes.
Desta definição, verifica-se que os direitos autorais das obras do gênero “true crime” pertencem, portanto, aos seus criadores criativos. Aqueles que, inspirados em “fatos reais”, os transcrevem em roteiros e discursos, suas ideias, e as transmitem através das telas de streaming.
Não há, portanto, correlação entre direitos autorais, por exemplo, e Susane Von Richtofen, sobre os filmes, séries e documentários, produzidos sobre o crime por ela cometido. Já que estes não foram criados por ela.
Os direitos de imagem por sua vez, decorrem da própria personalidade humana, cuja proteção encontra respaldo na Constituição Federal de 1988 [3], Código Civil [4] e no Código Penal [5], os quais impedem a exposição da imagem de alguém sem permissão, especialmente se esta exposição atinge a honra, boa-fama e respeito ou se destine a fins comerciais, podendo aquele que teve sua imagem violada, buscar o reparo pelos danos sofridos [6].
Determina a Lei, portanto, a necessária permissão expressa pela pessoa retratada na imagem, para que terceiros a possam explorar.
Ocorre que, em situações excepcionais, a jurisprudência permite a utilização de imagem em documentários, cinebiografias e matérias jornalísticas, sem a autorização expressa daquele retratado. Para melhor expor as exceções, trazemos as considerações da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento (CDADIE) da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro, a qual, de forma muito didática, as dispôs da seguinte forma [7]:
- Pessoas consideradas públicas, sob as seguintes condições:
- a captura da imagem se deu licitamente?
- qual a utilidade ou interesse para o público do fato informado por meio da imagem?
- qual a necessidade da veiculação daquela imagem para informar o fato?
- preservou-se o contexto original em que a imagem foi colhida?
- Pessoas situadas em lugares públicos, sob as seguintes condições:
- o retratado está ciente da possibilidade de captação da sua imagem?
- o contexto original de onde foi extraída a imagem foi mantido?
- o retratado é o elemento central da cena ou aparece incidentalmente?
- o retratado está em situação constrangedora?
- Matérias jornalísticas: fatos ou acontecimentos de interesse jornalístico.
No caso de produções do gênero “TRUE CRIME”, este trata-se da retratação de fato que envolve pessoa pública e, em muitos casos, matérias jornalísticas, as quais são, em algumas hipóteses altamente vinculadas na mídia, tornando o fato ainda mais conhecido pelo público.
Nestes casos, ambos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça entendem permissiva a divulgação de fatos verídico ou verossímeis, ainda que com opiniões severas, irônicas ou impiedosas, daqueles que pela prática de atos criminosos, tornam-se figuras públicas, sendo a notícia e a crítica, de interesse geral e conexo de todos [8].
Há nestas hipóteses, uma limitação ao direito de imagem.
Assim, os direitos autorais, diferentemente do que muitos confundem, em se falando de produções artísticas ou jornalísticas sobre crimes, pertencem aos criadores das obras e não ao agente criminoso, não devendo este, receber valor algum pela representação criativa ou jornalística de fato ocorrido durante sua vida.
O que se poderia questionar, contudo, seria a reparação de eventual dano ocasionado pela extrapolação do direito de imagem. Contudo, assim como já pacificado pelo STF e STJ, em casos de retratação de fatos criminosos, a proteção ao direito de imagem do agente criminoso passa a sofrer restrição, tem este que arcar com eventuais opiniões severas e até mesmo impiedosas.
Advogado(a) autor(a) do comentário: Juliana Kaomy Mikado, Thaís de Kassia R. Almeida Penteado e Cesar Peduti, Peduti Advogados
Fonte: WHY ARE WE SO OBSESSED WITH TRUE CRIME – https://www.law.ac.uk/resources/blog/why-we-love-true-crime/
“Art. 7º. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III – as obras dramáticas e dramático-musicais; IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V – as composições musicais, tenham ou não letra; VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; XII – os programas de computador; XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. § 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis. § 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras. § 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.”
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
“Art. 11. Com exceção dnoos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e no irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.” E “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815)”
“Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) § 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)”
DIREITO DA IMAGEM – https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/direito-de-imagem
GUIA DO PRODUTOS AUDIOVISUAL – Realização: Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento (CDADIE) – https://www.oabrj.org.br/arquivos/files/CDADIE_guia_do_produtor_audiovisual_final_web.pdf
Informativo nº 696 do STJ. https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo&acao=pesquisar&livre=@CNOT=%27018151%27 e https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202103035073&dt_publicacao=13/09/2022
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