Recentemente, um fenômeno tomou conta do TikTok: uma bolsa vendida no Walmart, chamada de “Wirkin”, viralizou por sua semelhança notável com a icônica Birkin da Hermès. O produto, oferecido por vendedores terceirizados na plataforma de e-commerce, rapidamente esgotou em todas as cores e tamanhos, gerando um debate sobre o impacto dos “dupes” – réplicas inspiradas em produtos de luxo – na indústria da moda. Embora esses “dupes” não sejam cópias idênticas, sua popularidade levanta questões jurídicas importantes sobre a proteção de direitos de propriedade intelectual, em especial marcas, elementos distintivos de design (desenho industrial), e apresentação de produtos, intimamente relacionada à proteção por “trade dress”.
No Brasil, a proteção de desenho industrial está prevista na Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). O desenho industrial refere-se à forma ou aparência de um produto que possa ser apreciada visualmente, incluindo sua configuração tridimensional e sua ornamentação. No entanto, a proteção é concedida apenas a designs que sejam originais, ou seja, que não sejam cópias ou reproduções de criações anteriores. No caso da bolsa “Wirkin”, a Hermès poderia, teoricamente, buscar a proteção do design de sua bolsa Birkin, que envolve características visuais distintivas como o formato, os detalhes da costura e a exclusividade no uso do couro. Contudo, a proteção no Brasil se limita a elementos visuais que sejam claramente identificáveis e inovadores. Caso o design da “Wirkin” tenha características suficientes para ser considerado uma imitação de um design registrado (assumindo que a Hermès tenha registrado o design da Birkin como desenho industrial no Brasil), a empresa poderia alegar violação. No entanto, o Brasil exige uma análise de que o produto infrator tenha uma aparência suficientemente similar ao design original, o que pode ser desafiador em casos em que as diferenças são sutis ou onde o design se baseia em elementos comuns na indústria da moda, como o uso de alças e fechos metálicos, que podem ser considerados padrões do setor.
Nos Estados Unidos, a proteção do “trade dress” é tratada como um conceito mais amplo que inclui a combinação de elementos visuais de um produto ou embalagem que identificam e distinguem uma marca, a experiência causada por aquele produto no mercado. Ao contrário do desenho industrial, o “trade dress” pode proteger não apenas a forma ornamental, mas também a apresentação do produto como um todo, incluindo cores, formas, layout e até a combinação de materiais, desde que esses elementos sejam distintivos e não funcionais. Para que um trade dress seja protegido, ele deve ser suficientemente distintivo e capaz de gerar confusão no consumidor quanto à origem do produto, ou seja, o consumidor deve associar os elementos visuais a uma marca específica. A bolsa Birkin pode ser vista como um exemplo claro de “trade dress”, dado que seu design icônico e seus elementos visuais são amplamente reconhecidos como pertencentes à marca Hermès. A Hermès, portanto, teria o direito de proteger seu “trade dress” contra produtos como a “Wirkin”, caso estes gerem confusão entre os consumidores. Isso é especialmente relevante no cenário de plataformas de e-commerce, onde os consumidores podem ser induzidos a acreditar que a “Wirkin” é um produto da Hermès devido à sua aparência semelhante.
Este caso da Hermès, que há décadas defende sua marca Birkin contra falsificações e cópias não autorizadas, levantou uma importante questão. Até que ponto é aceitável que um produto se inspire em outro sem infringir direitos de propriedade intelectual? Para a Hermès, a Birkin não é apenas uma bolsa, mas um ícone cultural com características visuais que se tornaram sinônimo de luxo e exclusividade. Isso inclui o formato estrutural, as alças duplas, o fecho de metal elegante e a qualidade do couro artesanal. A questão central é que o “Wirkin” se assemelha a esses elementos de forma suficientemente marcante para levantar preocupações sobre confusão no mercado, uma situação em que observadores podem acreditar que o produto seja um Birkin verdadeiro, mesmo que o comprador saiba que não é.
Para provar violação do design do produto ou do trade dress, uma empresa como a Hermès precisaria demonstrar que o design da Birkin é distintivo, que há risco de confusão no mercado e que o design do “Wirkin” – réplica feita pelo Walmart – foi intencionalmente copiado para se beneficiar da reputação da marca de luxo. No entanto, a disparidade de preços pode dificultar essa argumentação. Enquanto o “Wirkin” é vendido por valores entre US$ 60 e US$ 300, uma Birkin autêntica pode custar de US$ 10.000 a milhões de dólares. Esse contraste de preços poderia servir como defesa para o Walmart e seus vendedores terceirizados, sob o argumento de que nenhum consumidor razoável acreditaria que um produto tão barato seria um Hermès original.
A Hermès, assim como diversas outras marcas de luxo no mercado da moda, tem um histórico sólido de proteção à sua marca e design. Nos últimos anos, a empresa processou não apenas falsificadores diretos, mas também aqueles que criaram “inspirações” criativas baseadas na Birkin, como o caso do artista que lançou NFTs com o nome “MetaBirkins”. A justiça americana tem, em geral, se posicionado a favor da Hermès, reforçando a proteção de seu trade dress icônico. Essas decisões evidenciam que, mesmo quando não há uma cópia exata do produto, o risco de confusão no mercado pode ser suficiente para caracterizar uma violação de direitos de propriedade intelectual. Isso evidencia um desafio crescente na era das redes sociais, onde o “dupe culture” – a cultura de réplicas e inspirações acessíveis – ganhou força, promovendo alternativas de luxo a preços baixos. Marcas como Gucci, Chanel e Cartier também enfrentam dilemas semelhantes, com “dupes” de seus produtos inundando o TikTok e outras plataformas digitais.
No Brasil, apesar de não existir uma proteção específica para trade dress na Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), é possível buscar proteção sob o guarda-chuva da concorrência desleal e do uso indevido de marca notoriamente conhecida. Assim, marcas de luxo que operam globalmente devem adotar estratégias jurídicas abrangentes para proteger seus ativos intangíveis, especialmente em um cenário de crescente popularidade dos “dupes” e influenciadores digitais. O caso da “Wirkin” do Walmart destaca um debate importante sobre os limites da inspiração versus a cópia ilegal. Embora o acesso a tendências de moda a preços acessíveis seja um desejo legítimo do consumidor, é essencial equilibrar isso com a proteção dos direitos de propriedade intelectual, especialmente quando se trata de marcas que investem significativamente em design e exclusividade. O desfecho desse caso específico pode moldar o futuro da proteção de marcas na era digital, destacando a importância de acompanhar as tendências e desafios do mercado de moda e de propriedade intelectual.
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Advogado(a) autor(a) do comentário: Gabriela Romagnoli Teixeira de Freitas e Cesar Peduti Filho, Peduti Advogados
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