A recente controvérsia envolvendo a atriz Fernanda Torres e uma terceira requerente pela titularidade da marca “A Vida Presta” chamou atenção para um ponto crucial do sistema de marcas brasileiro: a chamada first-to-file rule, ou seja, a regra da prioridade baseada na data do pedido de registro apresentado primeiro junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Em dezembro de 2024, antes da viralização da expressão associada à atriz indicada ao Oscar, uma pessoa física solicitou o registro da marca “A Vida Presta” para identificar atividades voltadas ao entretenimento, especialmente no segmento de podcasts. Já em fevereiro de 2025, Fernanda Torres, conhecida por diversos personagens e bordões marcantes, também apresentou pedidos de registro da mesma expressão, voltados a atividades semelhantes, com o objetivo de buscar a propriedade deste bordão como marca. Os processos no âmbito administrativo ainda estão sob exame, no entanto, tudo indica que os pedidos da atriz para os mesmos serviços serão indeferidos com base na anterioridade e colidência com o sinal previamente requerido, salvo se as partes firmarem acordo em contrário.
Esse episódio evidencia uma questão comum, mas muitas vezes subestimada por empreendedores e artistas: o uso público e constante de uma expressão ou o vínculo autoral com determinada obra não asseguram, por si só, o direito ao registro e uso exclusivo daquela expressão como marca.
Prioridade no registro: quem registra primeiro tem vantagem
Diferente de países como os Estados Unidos, que adotam o critério do uso (first-to-use), o Brasil privilegia a anterioridade do depósito do pedido. Isso significa que, salvo em situações excepcionais, terá preferência sobre a marca quem primeiro tiver solicitado seu registro junto ao INPI, mesmo que outra pessoa já utilize a expressão informalmente ou até em obras autorais.
No caso de Fernanda Torres, embora sua notoriedade, a ausência de um pedido anterior ao do outro requerente acabou lhe colocando em desvantagem jurídica. Essa situação ilustra como a estratégia de proteção de ativos intangíveis deve envolver o registro de marca desde os primeiros passos de um projeto, evitando disputas futuras e até restrições comerciais ao uso do nome em produtos e serviços.
Exceção à regra: o direito de precedência
Apesar da regra geral de prioridade pelo depósito, a Lei da Propriedade Industrial prevê exceções importantes. De acordo com o artigo 129, §1º, da LPI (Lei nº 9.279/96), a pessoa que, de boa-fé, já utilizava a marca no Brasil há pelo menos seis meses antes da data do pedido anterior pode invocar o chamado direito de precedência. Essa previsão protege o uso anterior legítimo, mesmo sem registro formal, desde que seja comprovado o uso efetivo e contínuo da marca para os mesmos produtos ou serviços neste período. Assim, mesmo estando em posição desfavorável quanto à data do depósito, a parte que comprovar esse uso anterior pode reivindicar o registro, o que, em tese, poderia ser arguido pela atriz caso haja comprovação do uso anterior da expressão “A Vida Presta” com finalidade marcária.
Marca, título de obra e direitos autorais: onde começa e termina cada proteção?
Outro ponto relevante que emerge dessa discussão é a distinção entre os direitos autorais e o direito marcário. Embora a autoria de uma obra (como um livro, roteiro ou espetáculo) seja protegida pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), essa proteção não se estende automaticamente ao uso do título como marca. O próprio INPI tem decisões consolidadas no sentido de que títulos de obras não são, por si só, passíveis de registro como marca, a menos que atendam aos critérios legais, como distintividade e finalidade comercial.
Além disso, o artigo 124, inciso XV, da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) veda o registro como marca de “título de obras intelectuais ou artísticas”, salvo quando consentido pelo autor. Entretanto, quando há dois autores independentes ou uma anterioridade no pedido, a situação se complexifica — como se viu neste caso.
O que podemos aprender com o caso?
A disputa em torno da expressão “A Vida Presta” evidencia a importância de um planejamento prévio e integrado da propriedade intelectual. Criadores e empreendedores devem considerar o registro de marca como etapa essencial do desenvolvimento de projetos, mesmo quando ainda estão em fase inicial. Uma marca registrada não apenas garante exclusividade, como também fortalece a identidade do produto ou serviço no mercado e protege contra terceiros que possam buscar se apropriar indevidamente de um nome já em uso.
É fundamental compreender que os diferentes ramos da propriedade intelectual (direitos autorais, marcas, patentes, etc.) não se sobrepõem automaticamente. Cada tipo de proteção requer atenção às suas regras específicas e ao momento certo de registro.
Conclusão
Casos como o de Fernanda Torres mostram que, no universo da Propriedade Intelectual, o tempo (e o timing) é crucial. Registrar uma marca não deve ser a última etapa, mas sim uma das primeiras na estratégia de consolidação de um projeto criativo ou comercial. E, acima de tudo, o suporte jurídico especializado pode ser decisivo para evitar perdas de oportunidades e garantir a segurança dos ativos intangíveis.
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Advogado(a) autor(a) do comentário: Gabriela Romagnoli Teixeira de Freitas, Pedro Zardo Júnior e Cesar Peduti Filho, Peduti Advogados
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