Proeminente no cenário musical brasileiro há pelo menos uma década, o funk tem sua trajetória marcada por diversas vertentes e frequentes atualizações. Somente nos últimos anos, observamos a ascensão de subgêneros como o funk consciente, o funk ostentação, o funk “150 BPM”, o “brega” funk, entre tantos outros surgidos em diferentes partes do país.
A mais recente delas é o estilo chamado “funk MTG”, popularizada em Minas Gerais e cuja sigla deriva da palavra “montagem”. Basicamente, o MTG consiste no agrupamento de diferentes músicas em uma mesma faixa por um DJ ou produtor, que realiza modificações em um processo criativo idêntico ao remix, também presente em outros gêneros como o rap e a música eletrônica.
Por utilizar obras consagradas de outros estilos musicais em ritmo dançante, como por exemplo as MTGs das canções “Já Sei Namorar”, dos Tribalistas, “Quem Não Quer Sou Eu”, de Seu Jorge, e o novo hit “Chiriro”, da cantora estadunidense Billie Eilish, o funk MTG teve ascensão meteórica em aplicativos como o Tiktok e o Spotify, alcançando milhões de visualizações e streams em poucas semanas.
Apesar de seu enorme sucesso, o movimento também tem sofrido duras críticas de setores especializados, principalmente no âmbito dos direitos autorais, já que em muitos casos os DJs e produtores têm lançado essas faixas inadvertidamente, sem obter as devidas autorizações dos titulares das obras, sob a alegação de estarem exercendo seu direito à liberdade artística, previsto no art. 5º, IX, da Constituição Federal.
Como consequência, a União Brasileira de Editoras de Música (UBEM), a União Brasileira de Compositores (UBC) e o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) publicaram nota oficial conjunta no final de junho de 2024 expressando a sua preocupação com a situação, além de reforçarem a necessidade da obtenção da autorização prévia e expressa dos titulares da obra musical antes de qualquer veiculação com fins lucrativos, sob pena de aplicação das sanções cabíveis.
A orientação das entidades tem como objetivo proteger o direito fundamental do autor de utilizar, publicar ou reproduzir suas obras, previsto no art. 5º, XVII, da Constituição, a ver abaixo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; (grifos nossos)
No mesmo sentido, é importante destacar que a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) subdivide os direitos autorais em duas modalidades: os direitos autorais patrimoniais, que consistem no direito do autor de explorar economicamente a sua obra, e os direitos autorais morais, os quais se referem ao direito do autor de ser creditado, conservar a obra inédita, retirar a obra de circulação em caso de danos à sua reputação e imagem, entre outras hipóteses.
Enquanto os direitos morais são perpétuos, e, portanto, não podem ser cedidos ou renunciados, os direitos patrimoniais podem ser transferidos a outra pessoa, desde que haja a autorização prévia e expressa do autor, nos termos do art. 29 da Lei de Direitos Autorais.
Caso não possua essa autorização e decida utilizar a obra no todo ou em parte com fins lucrativos, o responsável pode ser condenado ao pagamento de indenização, na esfera cível, ou até mesmo à pena de reclusão e multa por crime de violação de direito autoral, com enquadramento no art. 184 do Código Penal:
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
- 1oSe a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
- 2oNa mesma pena do § 1oincorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
- 3oSe a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
- 4oO disposto nos §§ 1o, 2oe 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Dessa forma, quando um DJ ou produtor utiliza trechos ou músicas em sua íntegra para a montagem de um funk MTG e o monetiza, sem antes obter as autorizações dos titulares, há uma clara violação de direitos autorais e que pode ser punida com pena de reclusão de até 4 (quatro) anos, sem contar as possíveis indenizações e o banimento de plataformas digitais e entidades relacionadas a músicas.
Ora, é óbvio que a liberdade artística deve ser incentivada e movimentos como o MTG devem ser incentivados. No entanto, são necessários cuidados para que esta liberdade não se torne abusiva e cause danos aos direitos dos titulares das obras musicais que deram origem à adaptação.
Por isso, para se evitar esta situação, o mais recomendado é estabelecer contratos de cessão ou licença de direitos autorais com cada um dos titulares, sempre contando com o auxílio de um profissional especializado no tema de direitos autorais para assessorá-lo durante a elaboração do contrato, visando sempre a mitigação dos riscos e a preservação da imagem.
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Autores: Gabriel Ditticio e Cesar Peduti Filho, Peduti Advogados.
Fontes: REFERÊNCIAS:
BRONZE, Giovanna. MTG: saiba o que é a tendência do funk que viraliza nas redes sociais. CNN Brasil, São Paulo, 08 jun. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/mtg-saiba-o-que-e-a-tendencia-do-funk-que-viraliza-nas-redes-sociais/. Acesso em: 25 ago. 2024.
MTG: por que a onda do momento desrespeita o direito autoral. Revista UBC – União Brasileira dos Compositores, Rio de Janeiro, 28 jun. 2024. Disponível em: https://www.ubc.org.br/publicacoes/noticia/22636/mtg-por-que-a-onda-do-momento-desrespeita-o-direito-autoral#:~:text=Qualquer%20MTG%2C%20produzido%20e%20disponibilizado,ilegal%20e%20poder%C3%A1%20ser%20responsabilizada.. Acesso em: 25 ago. 2024.
VELOSO, Vinicius. Funk MTG é ilegal? Setor musical denuncia violação autoral no estilo. Metrópoles, Brasília, 04 ago. 2024. Disponível em: https://www.metropoles.com/entretenimento/musica/funk-mtg-e-ilegal-setor-musical-denuncia-violacao-autoral-no-estilo. Acesso em: 25 ago. 2024.
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