Introdução – Os danos patrimoniais e morais decorrentes da violação da obra intelectual
O art. 22 da Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais – LDA) assegura ao autor de uma obra intelectual a reparação pelos danos decorrentes do uso indevido ou desautorizado de sua criação, que assumem duas naturezas distintas: os danos patrimoniais e morais.
Os danos patrimoniais do autor, previstos no art. 28 e seguintes da LDA, são originados, principalmente, dos benefícios econômicos ilicitamente angariados pelo infrator com a comercialização da obra de forma desautorizada.
Em outras palavras, a pessoa que se utiliza de obra intelectual alheia sem autorização do criador e com fins comerciais deverá ressarci-lo pecuniariamente, transmitindo-lhe os benefícios econômicos que obteve com a exploração da obra e/ou pagando-lhe aquilo que o autor deixou de lucrar pelo ilícito.
Por sua vez, os direitos morais do autor encontram-se previstos no art. 24 da Lei de Direitos Autorais e compreendem, dentre outros, os direitos à paternidade, ao ineditismo e à integridade da obra autoral.
Diferentemente dos direitos patrimoniais, os direitos morais são intransferíveis e inalienáveis, permanecendo com o autor independentemente da cessão ou o licenciamento dos direitos de exploração econômica da obra a terceiros.
Assim, aquele que se utiliza de obra alheia de forma indevida ou sem a autorização atinge o próprio autor, já que a obra é considerada uma extensão de seu espírito. Por desvirtuar a obra ou seu propósito, o infrator deve ressarcir pecuniariamente o criador e tal compensação não se confunde com os danos de natureza patrimonial.
Apesar de a Lei de Direitos Autorais prever o dever de reparação dos danos patrimoniais e morais causados pelo uso indevido da obra intelectual, é importante se observar a existência do instituto da prescrição no direito brasileiro.
De forma objetiva, a prescrição é conceituada pelo Código Civil (art. 189) como a perda da pretensão de se requerer em juízo a reparação pela violação de direitos. Os prazos prescricionais variam de acordo com a natureza do direito violado, sendo dispostos no Código Civil, em seus artigos 205 e 206.
No tocante aos danos causados a direitos autorais, a doutrina e a jurisprudência pátrias entendem pela incidência do prazo prescricional de 03 anos para se obter a compensação pelos danos, por se tratar de uma reparação de natureza civil.
Contudo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no julgamento do caso envolvendo a reprodução indevida da fotografia utilizada no álbum “Mãos Dadas”, do sambista Noca da Portela, inovou ao entender pela não incidência da prescrição sobre os direitos do autor receber a compensação pecuniária pelos danos morais causados em sua obra intelectual.
Do caso envolvendo o álbum “Mãos Dadas”, do sambista Noca da Portela, e o entendimento do STJ
A ação em referência, distribuída sob o nº 0486277-63.2011.8.19.0001, foi proposta pelo fotógrafo responsável pela imagem que estampou o disco de vinil intitulado “Mãos Dadas”, do sambista Noca da Portela, contra a gravadora Sony Music, sob a alegação de que a empresa teria alterado a fotografia original quando passou a comercializar CD’s daquele álbum.
Em primeira instância, o juiz da 9ª Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro acolheu a tese de prescrição dos direitos do fotógrafo, considerando que quando a ação foi proposta a violação já teria ocorrido em prazo muito superior aos 03 (três) anos fixados no Código Civil.
Contudo, em segunda instância a sentença foi parcialmente reformada pela Segunda Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mantendo-se a prescrição sobre os danos patrimoniais, mas fixando-se que os danos morais do autor seriam imprescritíveis e impondo à gravadora o dever de pagar ao fotógrafo o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com a incidência de juros moratórios desde a citação e correção monetária desde a publicação da decisão.
A discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial nº 1862910/RJ, que decidiu pela reforma do acórdão, adotando o entendimento de que, apesar de ser imprescritível a pretensão de garantir o exercício do direito moral, o direito de receber a reparação pecuniária está sujeita aos efeitos prescricionais dados pelo decurso do prazo de 03 (três) anos fixado no art. 206, §3º, inciso V, do Código Civil.
O entendimento da Corte Superior seguiu o raciocínio de que:
“[…] no ordenamento jurídico pátrio, diversamente do quanto afirmado pelo Tribunal de origem, nem todos os direitos morais de autor são perpétuos. Somente os direitos morais relativos à integridade e à autoria é que subsistem mesmo depois do ingresso da respectiva obra em domínio público.”.
A decisão foi publicada no dia 09.02.2021 e ainda comporta recursos para o próprio STJ e para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Conclusão
A solução conferida pelo STJ está em consonância com a doutrina e a jurisprudência pátrias, pois a imprescritibilidade está prevista apenas em situações excepcionalíssimas no ordenamento brasileiro (majoritariamente na esfera penal), devendo se privilegiar o instituto da prescrição como um mecanismo para manter a paz social e evitar a perpetuidade de conflitos.
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Advogado autor do comentário: Carlos Eduardo Nelli Principe
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