A Rede TV não precisará pagar indenização por danos morais à TV Globo pela reprodução não autorizada da personagem Valéria, criada pelo ator Rodrigo José Sant’anna para o programa humorístico Zorra Total. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que a Rede TV deve indenizar apenas o artista, no valor de R$ 50 mil.
Segundo o STJ, TV Globo não detém direitos autorais sobre o personagem que se apresenta no Zorra Total.
O relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que o dano moral que surge da violação a direito de propriedade intelectual é presumido. Porém, esse entendimento não se aplica à Globo, que não é autora da obra, mas apenas licenciada por seu autor a utilizá-la.
O ministro alertou que a Globo poderia receber danos morais à sua imagem, pela reprodução indevida de trabalho que era veiculado por ela com exclusividade, mas não em razão de violação de direito do autor. Todavia, como ela não fez nenhuma alegação nesse sentido, e tampouco produziu prova, “deve ser afastada a condenação da ré ao pagamento de danos morais”.
Violação de propriedade
A Globo e o ator ajuizaram ação de indenização por danos morais e materiais contra a Rede TV alegando violação de propriedade intelectual. A sentença rejeitou o dano material, pois entendeu que não houve prova do prejuízo, mas reconheceu o dano moral e condenou a Rede TV ao pagamento de R$ 350 mil para cada autor da ação, proibindo ainda que imitações da personagem fossem exibidas na programação.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reduziu o valor da indenização a ser paga a cada autor para R$ 50 mil. No STJ, a Rede TV alegou que o contrato de licenciamento para uso da personagem não daria à Globo o direito de reclamar danos morais.
Segundo alegou a Rede TV, o artigo 27 da Lei 9.610/98 estabelece que os direitos morais do autor são inalienáveis, por isso ela deveria ter sido condenada a indenizar apenas o ator, que é o criador da personagem e licenciante, e não a Globo, “mera licenciada”, sob pena de enriquecimento ilícito. Argumentou que eventual prejuízo moral sofrido pela Globo deveria ser devidamente comprovado, não podendo ser apenas presumido, já que se trata de pessoa jurídica.
Direitos inalienáveis
De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, os direitos morais do autor são, de fato, inalienáveis, conforme a regra expressa no artigo 27 da Lei de Direitos Autorais. Explicou que, apesar de o ator ter transferido todos os seus direitos sobre o quadro e a personagem para a Globo, “o licenciamento, mesmo que exclusivo, apenas tem o condão de ceder os direitos patrimoniais sobre a obra, e não os morais, que, consoante norma legal expressa, são irrenunciáveis e intransferíveis”.
Segundo o relator, a Globo, na condição de licenciada, “não pode ter experimentado danos morais decorrentes da violação de direito de autor, justamente porque não é autora da obra reproduzida indevidamente, mas mera titular de seus direitos patrimoniais”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.615.980
Ellen de Freitas Pires Camargo é advogada da Peduti Sociedade de Advogados
De fato, o artigo 27 da Lei de Direitos autorais deixa claro que os direitos morais de autor são inalienáveis, senão, vejamos:
Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.
Nesse ponto, entendo haver decidido acertadamente o STJ. Se alguém pode requerer o dano moral é o próprio autor do personagem, no caso, o Ator Rodrigo José Sant’anna.
Todavia, há controvérsias quanto a decisão sobre o dano material. Na reportagem fica claro que o dano material não foi concedido por que não houve “prova do prejuízo”, entretanto, de modo oposto já decidiu nossos tribunais, bem como há vasta doutrina versando sobre o assunto.
O dano material em casos de violação de direito de autor ou propriedade industrial é presumido, não sendo necessária produzir provas do prejuízo. É simples, violou direito alheio, causou-lhe dano. Ainda que não seja possível mensurar o dano, houve dano, logo, é necessária a indenização.
Nesse mesmo sentido, o mestre Gama Cerqueira explica:
“A simples violação do direito obriga à satisfação do dano, na forma do art. 159 do CC, não sendo, pois, necessário, a nosso ver, que o autor faça a prova dos prejuízos no curso da ação. Verificada a infração, a ação deve ser julgada procedente, condenando-se o réu a indenizar os danos emergentes e os lucros cessantes (CC, art. 1.059), que se apurarem na execução. E não havendo elementos que bastem para se fixar o quantum dos prejuízos sofridos, a indenização deverá ser fixada por meio de arbitramento, de acordo com o art. 1.553 do CC.
(…) o fundamento da responsabilidade civil por atos ilícitos não se encontra no dano causado, mas no dolo ou culpa do agente, tanto que a simples violação do direito alheio, independente de prejuízo, é bastante para acarretá-la. (…) Por outro lado, pode-se sustentar que os atos de concorrência desleal violam o direito da concorrente de não ser molestada nas suas relações com a clientela pelas manobras desleais de um competidor inescrupuloso, dispensando assim a prova do prejuízo.” (grifos nossos)
Assim, é questionável tal decisão, uma vez que há doutrina e jurisprudência divergente.