Os conflitos entre marcas registradas e a competência da Justiça Federal

Como sabemos, os registros de marcas no Brasil são conferidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), cujo trabalho de deferimento e concessão de ativos é regido pela Lei federal da Propriedade Industrial (LPI). 

 

Com a concessão de registro de marca pelo INPI, se estabelece um privilégio temporário de 10 (dez) anos, renováveis por ciclos de iguais períodos, durante os quais o titular do registro poderá gozar de exclusividade sobre sua marca em todo o território nacional, podendo processar terceiros que violem tal marca, impondo-lhes a abstenção do uso dos sinais idênticos ou similares, considerados ‘colidentes’.

 

A ação judicial comumente ajuizada para obrigar terceiro a deixar de usar sinal marcário colidente com marca anteriormente registrada é a ação de abstenção de uso de marca, geralmente cumulada com pedidos de indenizações por danos morais e materiais. 

 

Tais demandas são ajuizadas nos Tribunais de Justiça dos Estados uma vez que aos juízes estaduais é que compete dirimir as controvérsias entre particulares. Nesse último ponto, os particulares em disputa judicial ocuparão os chamados ‘dois polos da relação processual’, estando o titular da marca como ‘Autor’ e o violador como ‘Réu’.

 

 

Dito isto, exsurge o questionamento: e se o violador da marca registrada o fizer através de outra marca registrada?

 

Parece estranho o questionamento acima, mas em realidade é muito comum que os conflitos entre marcas no Brasil não se deem somente entre um empresário cauteloso que possui registro e um empresário negligente que utilize sua marca sem registro. É que, são inúmeros os casos no Poder Judiciário envolvendo marcas registradas.

 

Isso porque, o INPI, embora possua a figura de autarquia federal, é composto – como tudo no mundo humano – por pessoas, e essas pessoas erram. Os erros de decisão do INPI são incontáveis ano a ano e geram, muitas vezes, a concessão de registro a marcas colidentes

 

Diante de casos assim, não basta ao titular de uma marca o ajuizamento de ação de abstenção de uso em face do terceiro, mas compete-lhe o ajuizamento de ação anulatória do registro de marca, na qual se poderá realizar pedido incidental de determinação de abstenção de uso, que somente será apreciado no caso de entendimento pela anulação da marca do Réu. 

 

Ocorre que, diferentemente da ação ‘pura’ de abstenção de uso de marca, a ação anulatória de marca – ainda que cumulada com pedido de abstenção de uso – somente pode ser intentada ante a Justiça Federal, isso porque, segundo a Constituição da República (art. 109, I) é aos juízes federais que compete julgar e processar:

 

As causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

 

Ora, o INPI foi constituído pela Lei nº. 5.648/1970 como autarquia federal e, sendo ele responsável pela concessão dos registros de marcas no Brasil, é óbvio que a decisão do Poder Judiciário que anular uma marca por ele concedida interfere em seu interesse direto. 

 

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu o seguinte entendimento em ‘Recurso Repetitivo’, concatenando o Tema 950 da Corte:

 

As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal, e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória. (g. n.).

 

A jurisprudência dominante do STJ, portanto, é no sentido de que a determinação de abstenção de uso de uma marca registrada somente pode ser proferida pela Justiça Federal numa ação anulatória de tal registro. 

 

O tema é absolutamente importante porque, embora muitos Tribunais de Justiça, como o de São Paulo, têm tentado emplacar entendimento da possibilidade de ‘reconhecimento incidental da nulidade do registro marcário’, para garantir o processamento de ações de abstenções de uso de marca registrada, tal entendimento é nulo e pode ser reconhecido a qualquer tempo pelo STJ, basta que a parte interessada apresente os recursos cabíveis. 

 

Qual a consequência lógica? Imagine um processo ajuizado na Justiça estadual contra marca de terceiro que também é registrada. Ainda que a ação tramite por longos anos e seja julgada procedente, é uma decisão do STJ que pode anular todo o processo, obrigando o Autor da ação a começar tudo do início, e ainda podendo ser condenado a pagar custas e honorários de sucumbência ao advogado da parte contrária.

 

De outro lado, para além de um efeito prático de cunho financeiro, tal entendimento do STJ, expresso também no art. 109, I de nossa Constituição é relevante para estabelecer freios à atuação dos juízes estaduais, que não podem decidir sobre questões envolvendo interesse da União e de suas autarquias. Trata-se, portanto, de regra construída dentro e para garantir vigência ao espírito republicano.

 

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Advogado autor do comentário: Mario Filipe Cavalcanti de Souza Santos

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Ações Judiciais para Reformar Decisões do INPI

Ações Judiciais para Reformar Decisões do INPI

Na Peduti Advogados, não só acreditamos, como também defendemos fortemente que o conhecimento é a melhor ferramenta para o exercício de uma vida plena e segura. 

Diante disso, buscamos, através de artigos de natureza mais leve e compacta, compartilhar parte da informação útil obtida ao longo dos anos de prática e estudos na área do direito de propriedade intelectual. 

Nesta oportunidade, buscamos solucionar dúvidas quanto as ações judiciais que devem ser ajuizadas perante a Justiça Federal. 

Para tanto, nos importa resumidamente explicar que a Justiça brasileira, além de dividir a atuação de seus juízes pela matéria a ser discutida, ou seja, trabalhista, penal, tributária, cível, eleitoral ou militar, ainda é dividida em âmbitos Federal e Estadual. 

Neste momento, nos importa explorar a competência da Justiça Federal, e, para identificarmos em quais hipóteses devemos buscar o auxílio do juízo federal, podemos recorrer ao artigo 109 da Constituição Federal, o qual, em seus incisos, decorre sobre as hipóteses a que competem os juízes federais processarem e julgarem. 

 

Ações Judiciais para Reformar Decisões do INPI

 

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:


I- as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
II- as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;
III- as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;
IV- os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V- os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V- A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;
VI- os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
VII- os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;
VIII- os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
IX- os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;
X- os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
XI- a disputa sobre direitos indígenas.

    • 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.
      § 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
      § 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela Justiça Estadual.
      § 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.
      § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.” 

A nós, interessa o inciso I do referido artigo, o qual destacamos e grifamos para mais fácil identificação. 

Isso porque, em matéria de direito de propriedade intelectual, quando se busca defender seu direito através da reforma de decisão administrativa proferida pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI, que, por exemplo, negou/indeferiu seu pedido de patente ou registro de marca ou deferiu o pedido de patente ou registro de marca que viole seus direitos, é necessário que se chame ao processo o órgão autárquico da União para que, a fim de modificar sua decisão, este possa tomar ciência de sua indignação e, através de petição na ação judicial, possa contestar ou até mesmo concordar com suas razões.

Advogada autora do comentário: Juliana Kaomy Mikado

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