Por meio de ato singular, consubstanciado no Provimento n. 68/2018 editado pelo Corregedor Nacional de Justiça, expediu norma que impõe determinada “conduta” aos magistrados com o fim de tentar uniformizar os procedimentos referentes ao levantamento de depósitos judiciais de honorários de sucumbência e ao bloqueio de valores judiciais.
O Referido ato normativo foi objeto, de forma quase imediata, de reação na comunidade jurídica, seja por parte de magistrados, seja por parte de advogados, tendo inclusive a Ordem dos Advogados do Brasil, através do seu Conselho Federal, bem como por esta Seccional, emitido Nota Pública contra o Provimento (em anexo).
É evidente que, a despeito da idônea, justa e protetiva intenção que levou o eminente Corregedor a editar o Provimento nº 68/2018, este inovou em matéria processual e incorreu em manifesta usurpação de competência do legislador federal (CF, art. 22, I), além do que tornou mais complexo e moroso o processo judicial na fase do seu cumprimento de sentença, seja definitivo ou provisório.
O ato normativo em debate constitui claramente ato normativo primário, abstrato, genérico, que inova no ordenamento jurídico, sem pretensão de disciplinar a lei, mas sim de legislar sobre direito processual. Com efeito, ao dispor sobre a necessidade de intimação da parte contrária, à que pede o levantamento de valor depositado em juízo, para o fim de que possa impugnar o pedido e, pior, de fixar o trânsito em julgado de recursos pendentes (Recurso Especial/Recurso Extraordinário), recursos estes sem eficácia suspensiva, para o levantamento verbas sucumbenciais, resguardadas pela sua natureza alimentar, vão de encontro friamente ao estabelecido no art. 521, inciso I do Código de Processo Civil.
Há de se destacar que a legislação processual vigente é clara ao determinar que, quando a verba exequenda tiver caráter alimentar o levantamento pode ocorrer independe de trânsito em julgado de recursos pendentes ou de caução, consubstanciado nos artigos 85, §14, 521, inciso I e 520, inciso IV, todos do Código de Processo Civil.
Ainda sobre o tema, a Lei Federal n° 8.906/94, artigo 24, esclarece que: “Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.”
Se assim não fosse, qual o sentido de se manejar Cumprimento Provisório de Sentença? Por que o Código de Processo Civil teria um capítulo de Cumprimento Provisório? Com a devida vênia, é totalmente anacrônico não respeitar o Processo Civil. Em outras palavras, o provimento ora impugnado usurpou o procedimento de Cumprimento Provisório de Sentença do Código de Processo Civil.
Por tais razões, andou bem o CNJ ao reconsiderar a decisão recorrida e julgar procedente o PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0003580-38.2018.2.00.0000, proposto pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, determinando a REVOGAÇÃO do Provimento 68, de 3 de maio de 2018, do Corregedor Nacional da Justiça.
Sustentou o CFOAB que a matéria versada no referido provimento é reservada à regulação por lei federal, a qual trata de processo civil, citando dois procedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a disciplina dos depósitos judiciais demanda regulação específica por meio de lei federal (ADI 2909, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJ 11.6.2010 e ADI 3125, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJ 18/6/2010).
Sustentou, ainda, que o Provimento 68 extrapola as competências do Conselho Nacional de Justiça de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, na medida em que invade matéria jurisdicional consistente na decisão sobre a possibilidade de levantamento de valores depositados em juízo.
Argumentou também o CFOAB que o Provimento 68 viola a garantia da independência funcional dos magistrados e esvazia o exercício jurisdicional do poder geral de cautela, impedindo que o magistrado analise, no caso concreto, a existência de periculum in mora e fumus boni iures para a determinação de levantamento de valores.
O pedido de providências foi julgado improcedente de plano, nos termos da decisão (Id. 2957158) que entendeu que o CNJ tem poderes normativos com origem na Constituição, de modo que possui força normativa primária, em paridade com a lei, e que o provimento atacado tem por objetivo conferir transparência aos atos processuais relacionados ao levantamento de valores depositados judicialmente.
Contudo, o CFOAB interpôs recurso administrativo (Id. 3233946), reiterando as razões iniciais e solicitando que seja exercido o juízo de retratação, com fundamento no art. 115 do RICNJ.
Destacou a decisão que a irresignação contra as disposições do Provimento 68 não se limita à classe dos Advogados, representados pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (PP 3074-62.2018). Também entidades representativas dos magistrados apresentam os mesmos argumentos contrários à legalidade das disposições do referido provimento (Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – ANAMAGES – PCA 3033-95.2018; Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – ANAMATRA – PP 3324-95.2018). A Associação dos Magistrados do Brasil – AMB também protocolou pedido de providências requerente a revogação do provimento (PP 3208-89.2018). O Estado do Amazonas também impugnou o Provimento 68 através do PCA 3199-30.2018.
Por fim, no mérito decidiu o Ministro Humberto Martins, Corregedor Nacional de Justiça, que as generalizadas irresignações, provenientes de diversos setores da comunidade jurídica, merecem acolhimento.
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Advogado Autor do Comentário: Pedro Zardo Junior
Fonte
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