A impossibilidade de declaração incidental da nulidade de registros marcários em ações de infração segundo o Superior Tribunal de Justiça

A impossibilidade de declaração incidental da nulidade de registros marcários em ações de infração segundo o Superior Tribunal de Justiça

Em 2020, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu importante decisão para o ordenamento jurídico brasileiro no Recurso Especial nº 1843507 / SP, ao confirmar a possibilidade de arguição de nulidade de patentes e desenhos industriais como matéria de defesa em ações de infração. 

Na fundamentação do julgado, proferido pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ficou claro que o entendimento jurisprudencial converge com o disposto no artigo 56, §1º da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), que permite a arguição de nulidade de patente em ação de infração da mesma. 

É interessante notar, porém, que no mesmo voto, o Julgador deixa claro que a nulidade do registro de marca, diferentemente da patente e do desenho industrial, não pode ser arguida em ação de infração, sendo necessária ação própria para declaração da nulidade do registro marcário. 

Indaga-se, então, porque há a possibilidade de declaração incidental de nulidade de patente e desenho industrial enquanto para marcas isso é impossível, tendo em vista que são todos bens imateriais de propriedade industrial. 

Além da própria lei, o próprio Ministro Julgador esclarece que a diferença de possibilidade de pleitos em ações envolvendo cada assunto está diretamente ligada à função de cada instituto. 

 

A impossibilidade de declaração incidental da nulidade de registros marcários em ações de infração segundo o Superior Tribunal de Justiça

 

A função da marca é, em comparação, quase que um direito personalíssimo do seu titular, servindo-se como identidade da instituição dentro do mercado na qual está inserida. Mostra-se, assim, como  proteção continuada e bipartida, na qual se protege o consumidor, dando oportunidade de reconhecer a origem comercial dos bens e serviços que consome, assim como o titular da marca, para impedir que terceiros se aproveitem indevidamente dos investimentos feitos por ele na construção da qualidade de seus produtos e da sua própria identidade perante seu público consumidor. 

Já a função da patente do desenho industrial não se dirige à construção de uma associação a ser feita no mercado consumidor, sendo títulos que concedem direitos de exclusividade temporários ao titular, conferidos com a finalidade de incentivar o desenvolvimento tecnológico. 

Verifica-se ainda que a nulidade da patente e do desenho industrial pode ser declarada incidentalmente em ações de infração, com efeitos aplicáveis APENAS ENTRE AS PARTES, de forma que o titular da patente ou do desenho industrial ainda será assegurado de seu direito de exclusividade temporariamente em face de todos, enquanto a marca, identidade da empresa, seria inevitavelmente prejudicada caso fosse considerada nula em face de uma outra entidade, com identidade totalmente diferente do titular. 

Conclui-se, assim, a justa e direta relação entre a possibilidade ou não de arguição de nulidade de patente, desenho industrial e registro de marca com a função de cada instituto, cabendo ao operador do direito observar a discussão cabível em cada ação, de forma incidental ou autônoma. 

Advogada autora do comentário: Maria Luiza Barros da Silveira

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A possibilidade de declaração incidental de nulidade de patente e sua (não) aplicação pelos tribunais pátrios

Em linhas gerais, a nulidade de uma patente somente pode ser declarada por meio de ação de nulidade que deverá ser proposta perante a Justiça Federal, em razão da necessária participação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Autarquia Federal responsável pela concessão de patentes no Brasil, no polo passivo, conforme determina o art. 57 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). 

É importante destacar que uma patente será nula quando não reunir os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, de acordo com o que preconiza o art. 8º da Lei de Propriedade Industrial. 

Assim, acaso provado em uma ação de nulidade perante a Justiça Federal que a patente não reúne os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, o privilégio será declarado nulo e referida nulidade produzirá efeitos perante todas as pessoas e toda a sociedade (o que se denomina efeito “erga omnes”).

Contudo, há que se ressaltar que a Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 56, parágrafo 1º, prevê a possibilidade de uma patente ser declarada nula por outro juízo que não o da Federal, em ação que não se buscava, originariamente, a nulidade do privilégio.

Isso porque, de acordo com o que reza aquele artigo, “A nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa”.

Isso significa dizer que, caso o titular de uma patente proponha uma ação judicial de abstenção de uso de seu privilégio contra alguma pessoa que esteja supostamente violando a carta patente, o réu naquela ação poderá alegar em contestação, ou em qualquer momento no processo, que a patente é nula. 

Nesse caso, a nulidade da patente consistirá em sua matéria de defesa e o magistrado da Federal, se constatado por meio de prova técnica que a patente não atende aos requisitos exigidos pela Lei de Propriedade Industrial, poderá declarar o privilégio nulo. 

Essa nulidade, contudo, produzirá efeito somente entre as partes daquela ação de abstenção (o que se denomina efeito “inter partes”), pois, como visto, somente por meio de uma ação de nulidade apreciada e julgada pela Justiça Federal a nulidade da patente produzirá efeitos em relação a todos (efeito “erga omnes”).  

A posição dos tribunais pátrios sobre a declaração de nulidade incidental de patente

Apesar de a Lei de Propriedade Industrial prever a possibilidade de declaração incidental da nulidade de uma patente pelo acolhimento desse argumento como matéria de defesa, observa-se que os tribunais pátrios não têm aplicado a norma da maneira como ela foi concebida e para os propósitos a que se destina.

A possibilidade de a Justiça Estadual declarar a nulidade incidental da patente entre as partes que contendem em uma ação de abstenção gera alguns benefícios, como, por exemplo, a economia processual, pois o prejudicado não precisará distribuir uma ação de nulidade da patente perante a Justiça Federal.

Entretanto, e apesar dos benefícios trazidos pela declaração incidental da nulidade da patente, os tribunais pátrios ainda relutam na aplicação do dispositivo para se permitir à Justiça Estadual a declaração de nulidade da patente. 

Talvez a decisão mais conhecida sobre o assunto seja o acórdão proferido no REsp 1.132.449/PR¹, que contou com a relatoria da Ministra Nancy Andrighi. De seu voto se extrai:

Ainda que a lei preveja, em seu art. 56 §1º, a possibilidade de alegação de nulidade do registro como matéria de defesa, a melhor interpretação de tal dispositivo aponta no sentido de que ele deve estar inserido numa ação que discuta, na Justiça Federal, a nulidade do registro. Não faria sentido exigir que, para o reconhecimento da nulidade pela via principal, seja prevista uma regra especial de competência e a indispensável participação do INPI, mas para o mero reconhecimento incidental da invalidade do registro ao se exija cautela alguma. Interpretar a lei deste modo, como bem observado pelo i. Min. Direito, equivaleria a conferir ao registro perante o INPI uma eficácia meramente formal e administrativa.

 

Esse entendimento é o que ora vigora nos tribunais pátrios, sendo de relevo destacar que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, recentemente, consolidou essa orientação², declarando o Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze, para afastar a possibilidade de a Justiça Estadual declarar a nulidade incidental de patentes, que:

a previsão legal para formulação de pedido incidental de nulidade de patente como matéria de defesa, a qualquer tempo (artigo 56, parágrafo 1º, da Lei 9.279/1996), deve ser interpretada de forma harmônica com as regras de competência absoluta para conhecimento da matéria.

 

É interessante observar que o afastamento da competência da Justiça Estadual para declarar a nulidade de uma patente, ainda que incidentalmente, foi baseado no entendimento proferido pelo STJ no Recurso Especial nº 1.527.232/SP, que, afetado ao regime dos repetitivos, gerou o Tema 950³, por meio do qual a Corte Superior fixou, dentre outros mandamentos, que a Justiça Estadual não detém competência para declarar a nulidade de uma marca.

Apesar de a tese adotada no Tema 950 se referir a marcas, entendeu o Ministro Marco Aurélio Bellizze que o mesmo raciocínio poderia ser aplicado à nulidade de patentes, considerando que a aquisição do direito sobre a patente também se dá com o aval do INPI e tal direito somente pode ser desconstituído por meio de processo administrativo ou judicial próprios para esta finalidade. 

Nessa linha, e de acordo com a notícia veiculada pelo site do Superior Tribunal de Justiça:

 

[…] o relator assinalou que, no caso, o juízo estadual realmente não poderia ter avançado no conhecimento do pedido de nulidade dos registros formulado na contestação. Segundo ele, cabia à empresa ré – tendo em vista a necessidade de participação do INPI e a consequente competência do juízo federal – propor a ação de nulidade no juízo competente, “situação em que seria de rigor a observância da prejudicialidade entre as respectivas demandas”.

 

Diversas são as críticas doutrinárias feitas ao entendimento que vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e replicado pelos demais tribunais pátrios, pois há uma distorção do intuito do legislador com o artigo 56, parágrafo 1º, da Lei de Propriedade Industrial. Nesse sentido, relevantes são as lições de Lélio Denícoli Schmidt4 sobre o assunto:

 

A nosso ver, há que se aferir o papel que a nulidade desempenha no processo, pois, à medida que esta função variar, serão distintas as soluções. Se a invalidade estiver colocada como causa de pedir ou fundamento de defesa, a Justiça Estadual terá plena competência para apreciá-la. Somente se a nulidade for objeto do pedido é que a competência será exclusiva da Justiça Federal. A esta conclusão se chega com a análise da diferenciação existente entre o poder cognitivo e o poder decisório, expressão não só no Direto Processual, mas também na própria legislação material.

 

Não obstante as críticas doutrinárias sobre a atual posição dos tribunais sobre a aplicação do parágrafo 1º do artigo 56 da Lei de Propriedade Industrial, que, na realidade, parecem desvirtuar o intuito daquele dispositivo, a proteção dos direitos 

Conclusão

Apesar de a Justiça Estadual poder declarar a nulidade incidental de uma patente, com efeito “inter partes”, de acordo com a previsão contida no art. 56, §1º, da Lei de Propriedade Industrial, a orientação dos tribunais brasileiros, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, caminham no sentido de que apenas a Justiça Federal pode declarar a nulidade de um privilégio patentário. 

Na prática, a recomendação é de que a pessoa física ou jurídica acionada pelo titular de uma patente na Justiça Estadual, além de suscitar a nulidade como matéria de defesa, proponha uma ação específica na Justiça Federal para que a defesa de seus direitos seja realizada de forma completa, para se tentar evitar uma eventual ordem de abstenção de fabricação ou comercialização de seus produtos pela Justiça Estadual por violação de uma patente nula.

¹ Julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em 13.03.2012. Acórdão disponível em: <stj.jus.br>.

² O número do recurso e do processo não foram divulgados em virtude de a ação tramitar em segredo de justiça. A notícia e as informações apresentadas foram colhidas do site do STJ, sendo a reportagem disponibilizada em:< https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Para-Terceira-Turma–acao-de-nulidade-de-patente-e-prejudicial-externa-apta-a-suspender-acao-de-indenizacao.aspx>

³ Assim dispõe a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 950: “As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal, e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória.”

4 SCHMIDT, Lélio Denícoli. O reconhecimento incidental de nulidade de registro de marca ou privilégio de patente. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial n. 22, Mai/Jun 1996, p. 37.

Advogado autor do comentário: Carlos Eduardo Nelli Principe 

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A possibilidade de declarar nulidade de patente já extinta e seus efeitos

nulidade de patente

Não é a primeira vez que a justiça reconhece a possibilidade de declarar a nulidade de uma patente já extinta.

Uma patente pode ser extinta por vários motivos previstos em lei, entre eles pela expiração do prazo de vigência ou pela falta de pagamento da retribuição anual.

Contudo, ainda que uma patente esteja extinta, pode ser que alguém ou alguma empresa tenha interesse na declaração de nulidade desta patente para que os efeitos da nulidade lhe beneficiem.

É exatamente o que aconteceu em uma ação envolvendo a empresa Top Ideias Participações Ltda e a empresa Avon Cosméticos Ltda.

A Top Ideias ingressou com ação contra a Avon alegando ser detentora de um modelo de utilidade (“molde aperfeiçoado para modelar glúteos”), bem como, que a Avon estaria infringindo sua patente. Requereu a abstenção da comercialização de produtos que infringiam sua patente além de indenização por danos morais e materiais.

A Avon então decidiu ingressar com ação requerendo a decretação da nulidade da patente da Top Ideias, sua estratégia se baseou no fato de que os efeitos dessa sentença retroagiriam e não seria possível a Top Ideias requerer a sua condenação.

Após muita discussão sobre a possibilidade de arguir essa nulidade, a Justiça Federal do Rio de Janeiro entendeu ser possível a alegação da Avon com fundamento no § 1º, do artigo 56, da Lei da Propriedade Industrial, o qual prevê que “a nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa”.

O juiz ainda entendeu que a Avon possui interesse processual na obtenção da declaração de nulidade da referida patente, em razão de estar sendo processada pela Top Ideias, e que esta decisão traria efeitos importantes para este processo.

nulidade de patentePor fim, após a análise da patente verificou-se a ausência dos requisitos legais de ato inventivo e suficiência descritiva no referido modelo de utilidade. Como consequência, foi declarada a nulidade do modelo de utilidade de titularidade da Top Ideias.

Diante disso, verificamos o quanto é importante estar devidamente amparado antes de ingressar com uma ação, bem como, o quanto é importante ter uma assessoria adequada em uma defesa judicial. Uma boa defesa é capaz de mudar todo o cenário da disputa.

Fonte
Título da manchete: Justiça Federal reconhece nulidade de patente já extinta
Advogada Autora do Comentário: Luciana Santos Fernandes

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