A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) estabelece mecanismos para que o titular do direito violado, seja marca, desenho industrial ou patente, receba do infrator uma indenização pecuniária pelos danos materiais e morais (ou extrapatrimoniais) que decorreram do ilícito. Conforme estabelece o art. 209 daquela lei:
Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
O artigo 210, por sua vez, fixa os critérios para apuração dos lucros cessantes (danos patrimoniais):
Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:
I – os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou
II – os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou
III – a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.
Apesar de a lei de regência prever o dever de indenização à vítima, ao longo dos anos a doutrina e a jurisprudência vêm debatendo a forma de apuração de tais danos, em especial dos danos extrapatrimoniais, quando da violação de marcas, pois de difícil verificação na prática.
Diante dessa dificuldade em se comprovar mediante provas tangíveis o desgaste, a diluição, e a perda do valor de uma marca pelo seu uso desautorizado, a teoria do dano in re ipsa em passou a prevalecer na corrente doutrinária e vem sendo adotada pelos tribunais pátrios, tanto para a configuração dos danos extrapatrimoniais quanto patrimoniais.
O dano in re ipsa aplicável à matéria
O dano in re ipsa (dano na própria coisa) trata-se de um dano presumido, isto é, se reconhecida a ocorrência da infração, dispesa-se a prova para se configurar os danos ao titular do direito de propriedade industrial. Nesse cenário, a própria violação configura o dano, pois atinge o bem imaterial e seu valor.
Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Já assentou a Corte, nas Turmas que compõem a Seção de Direito Privado, que o reconhecimento da contrafação dá ensejo à indenização por perdas e danos, apurada em liquidação de sentença” (REsp 646.911/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, j. em 02/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 266).
Neste mesmo sentido, já ponderou aquela Corte que a indenização por danos patrimoniais “[…] não está condicionada à prova efetiva do dano, pois os atos de concorrência desleal e o consequente desvio de clientela provocam, por si sós, perda patrimonial à vítima” (REsp 978200/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe de 02/12/2009).
Desta feita, “como o Tribunal de origem reconhece a existência de violação do direito de uso da marca, em observância ao artigo 209 da Lei 9.279/96, independentemente de ter sido demonstrada a exata extensão dos prejuízos experimentados pela autora, descabe o julgamento de improcedência dos pedidos exordiais, pois a apuração pode ser realizada em liquidação de sentença” (REsp 1207952/AM, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 23/08/2011, DJe 01/02/2012).
De fato, em casos envolvendo a violação de marcas mostra-se muito complexo – quiçá impossível – aquilatar o impacto que o infrator causa ao sinal e ao seu titular, de modo que o dano presumido se revela como ferramenta a se assegurar os direitos do registro de marca.
Da mesma maneira, os danos extrapatrimoniais causados pela violação são presumidos, prescindindo de efetiva comprovação. Com efeito, a honra objetiva da pessoa jurídica é maculada pela simples violação do seu direito de personalidade, integrado pelo direito de propriedade intelectual.
Novamente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem adotando a tese do dano presumido para conceder a reparação por danos de natureza extrapatrimonial. Neste sentido:
A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de entender cabível a compensação por danos morais experimentados por pessoa jurídica titular de marca alvo de contrafação, os quais podem decorrer de ofensa à sua imagem, identidade ou credibilidade”, isso porque “o prejuízo suportado prescinde de comprovação, pois se consubstancia na própria violação do direito, derivando da natureza da conduta perpetrada. A demonstração do dano se confunde com a demonstração da existência do fato – contrafação -, cuja ocorrência é premissa assentada pelas instâncias de origem” (REsp 1535668/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. 15/09/2016).
Efetivamente, o entendimento que vem sendo esposado caminha no sentido de que a violação aos direitos de propriedade intelectual gera não apenas dano de ordem patrimonial ao titular do direito violado (decorrente, v.g., do desvio de clientela, da diminuição de vendas etc.), mas também dano extrapatrimonial, na medida em que a violação acaba por macular a honra objetiva do titular do direito, já que ofende sua imagem, identidade e credibilidade. É dizer: a violação do direito de propriedade intelectual causa dano presumido ao direito de personalidade da empresa, especialmente a sua identidade no mercado.
O dever de indenizar motivado pela violação da marca decorre, também, do desgaste de sua imagem corporativa e do abalo à sua reputação positiva no mercado, sobretudo porque um dos fatores de compra de produtos é a sua capacidade de ser único e a sua aptidão por proporcionar ao consumidor experiências de consumo únicas.
Quando há o uso desautorizado de uma marca, essa legítima expectativa está sendo frustrada, pois a ideia que se transmitiu ao consumidor é de que os produtos ou serviços do titular não são singulares, mas sim comuns.
Logo, verifica-se que a dificuldade na prova dos danos à marca (ou a outros títulos de propriedade industrial) não implica na assunção de que eles não existiram, tendo os tribunais, salvo pontuais exceções, adotado o dano presumido em tais situações.
Conclui-se, portanto, que prevalece na jurisprudência a tese de que a indenização por danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes de violação de marca (e de propriedade industrial) independente de comprovação objetiva do prejuízo suportado, de maneira que, uma vez reconhecida a infração, está configurado o dano patrimonial e extrapatrimonial indenizável.
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Advogado autor do comentário: Carlos Eduardo Nelli Principe
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