Dentro de uma realidade em que a inovação é mola propulsora para qualquer empresa, ganha relevo saber identificar e bonificar os empregados que se engajam e contribuem de forma pessoal com o desenvolvimento de novos produtos e serviços.
Nesse contexto, é importante entender os critérios para identificar tais colaboradores, à luz da legislação vigente, inclusive a fim de dar-lhes a justa remuneração prevista na lei, devida ao empregado na hipótese de invenção eventual.
A respeito do tema, são três as hipóteses que a legislação prevê. A primeira, consoante art. 88 da Lei da Propriedade Industrial (L. 9279/96 – LPI), seria a chamada “invenção a serviço”, que nada mais é do que aquela invenção decorrente da própria atividade laborativa para a qual contratado o empregado.
“No outro pólo, situam-se os inventos de serviço, onde o fator decisivo é atuação do empregador no sentido de dirigir e coordenar o processo inventivo, arcando com toda a estrutura técnica necessária, sendo a atuação do empregado inventor, apesar de essencial, totalmente retribuída pelo salário ajustado e eventual premiação concedida pela empresa”
(MANSUR, Julio Emílio Abranches, A Retribuição Econômica Devida Aos Empregados Pela Exploração De Invenção Mista, Revista da EMARF (Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região) – jan/ 2007, p. 113/145)
Nessa hipótese não é devido ao inventor qualquer espécie de indenização ou remuneração adicional, posto que as horas de trabalho já foram devidamente remuneradas.
A segunda hipótese, com previsão no art. 90 da LPI, trata da “invenção livre”, aquela que pertence com exclusividade ao empregado, porque não guarda qualquer relação com a atividade laboral por ele desenvolvida, tendo sido realizada de forma independente, sem uso de quaisquer meios ou recursos disponibilizados pelo empregador. Segundo Mansur, “os inventos livres, nos quais o fator decisivo é a atuação inventiva do empregado, para a qual não contribuiu efetivamente o empregador” (Mansur, ob. Cit.)
As invenções livres em geral não despertam dúvidas: são aquelas que não tem absolutamente nenhuma relação com o cargo ou a função do empregado com seu empregador, e por isso mesmo pertencem com exclusividade ao inventor.
A última hipótese diz respeito à chamada “invenção eventual, casual ou mista”, prevista no art. 91 da LPI, quando o empregado desenvolve, utilizando meios e recursos disponibilizados pelo empregador, uma invenção que não tem relação direta com a sua atividade laborativa.
“Nas invenções de serviço a obtenção da patente é colimada pelo empregador, ao passo que nas mistas a criação do invento é ocasional, utilizando-se o empregado da estrutura técnica disponibilizada pela empresa. Nas invenções livres, o fato de existir relação trabalhista é mera coincidência.” (Mansur, ob. cit)
Em algumas hipóteses pode ser difícil reconhecer, na prática, quando se está diante de uma invenção a serviço (decorrente da própria função do empregado) ou diante de uma invenção eventual ou casual, já que, ao longo do tempo, o empregador pode mudar as atribuições do empregado, que passa a ocupar cargos ou desempenhar funções nas quais se exige atividade intelectiva e criativa, que podem redundar no desenvolvimento de produtos ou criação de invenções.
Segundo Mansur, “se a obtenção do invento ocorreu de forma casual, sem se relacionar à finalidade da atividade desempenhada pelo empregado, estamos diante de uma invenção mista, na qual a inovação tecnológica caracteriza mera conseqüência, não intencional, da atividade desenvolvida por este. Preponderam nesta hipótese a casualidade e o improviso, ao invés de uma atividade direcionada a um fim. Daí a justificativa da expressão “invenções colimadas”, utilizada por Pontes de Miranda para conceituar as invenções de serviço.” (Masur, ob. Cit.)
Para determinar em que situações uma invenção poderá enquadrar-se como ‘a serviço’, ou como ‘invenção eventual’, pode ser relevante analisar não apenas o cargo ou função desempenhada pelo empregado, mas também o seu setor de atuação dentro da empresa, e até mesmo o ambiente empresarial no qual está inserido.
Por exemplo, é relevante averiguar se a invenção foi realizada dentro de uma empresa de tecnologia, de matriz inovadora e que investe em P&D, o que sinalizará que as invenções e desenvolvimentos realizados dentro de tal empresa são, em sua maioria, invenções a serviço, sendo possível inferir que todos os colaboradores de tal empresa estão engajados na missão criativa da empresa. Nesse quadro, vale perquirir, por exemplo, sobre o setor de atuação da empresa e sobre a quantidade de patentes e outras criações por ela protegidas, dados estes que indicam o grau de inovação do empregador.
Ainda, também é relevante verificar se o invento desenvolvido estava enquadrado dentro das atribuições do empregado, em consonância com sua atividade laboral e com o setor em que atuava. Ora, se o empregado trabalhava em setor administrativo, por exemplo, e desenvolve um produto totalmente técnico, ainda que a empresa possa ser considerada inovadora, é provável tratar-se de uma invenção eventual, posto que não estava de forma alguma relacionado às suas funções administrativas dentro da empresa.
Por fim, a invenção apenas poderia ser reconhecida como eventual se o invento fosse inesperado pelo empregador, desenvolvido por iniciativa própria do empregado sem o apoio direto, instrução e o direcionamento do empregador.
Quando verificado que a invenção realmente é eventual, então o empregado inventor fará faz jus tanto ao pagamento de uma justa remuneração, como também à cotitularidade da patente.
Nessa hipótese, será garantido ao empregador o direito exclusivo de licença de exploração, e assegurado ao empregado, em contrapartida, uma justa remuneração, conforme previsto de forma expressa no §2º do art. 91 da LPI. A jurisprudência tem reconhecido tal direito:
INVENÇÃO CASUAL. RETRIBUIÇÃO JUSTA. O tema alusivo às invenções dos empregados é disciplinado pela Lei 9.279/1996, que dispensa tratamento específico para as invenções de serviço, livres e casuais. As primeiras (invenções de serviço) constituem objeto do contrato de trabalho e resultam do trabalho executado pelo empregado contratado com o fim de estudar e criar, percebendo retribuição restrita ao salário, salvo ajuste contrário, consoante artigo 88, § 1º, da citada Lei 9.279/1996. Nesse caso, a atividade criativa pertence ao empregado, mas o empregador detém os frutos do invento porque arcou com os riscos econômicos e financeiros necessários à invenção. A invenção livre, por sua vez, resulta de criação desvinculada do contrato de trabalho, sem uso de recursos, materiais e instalações da empresa e pertence exclusivamente ao empregado (artigo 90 da Lei 9.279/96). As invenções casuais resultam da contribuição pessoal do empregado com uso de recursos do empregador e constituem propriedade comum, em partes iguais, salvo expressa disposição contratual em contrário, consoante o artigo 91 da Lei 9.279/96, cujo § 2º assegura ao empregador o direito exclusivo de exploração e ao empregado a justa remuneração.
(TRT da 3ª região – 00139-2012-129-03-00-9 RO – Relatora: Cristiana M. Valadares – Data da Publicação: 25.04.2014).
A origem de tal pagamento, segundo a doutrina majoritária, não é a relação trabalhista em si, mas a relação civil de propriedade comum que surge com a criação do invento. Nesse sentido, a doutrina reverbera que a justa remuneração não equivale à indenização:
“Em vários acórdãos e sentenças trabalhistas versando sobre esse tema encontram-se referências ao pagamento de “indenização” resultante da exploração, pelo empregador, de invenção casual. Mas, a rigor, o art. 91 não cuida de indenização, pois essa exploração não visa reparar um ato ilícito. Afinal, se a invenção é casual, ela é também do patrão. Ele não tem nada a indenizar por explorar o que é dele, nem por danos materiais, nem, muito menos (como alguns empregados-inventores por vezes pleiteiam), danos morais. O dano moral, quando muito, pode ocorrer se o patrão ignora voluntariamente a autoria do invento pelo empregado e omite o seu nome num pedido de patente. Mas essa discussão nada tem a ver com perdas materiais ou lucros cessantes.” (Nuno Pires de Carvalho, INVENÇÕES DE EMPREGADOS: CRITÉRIOS PARA A DISTINÇÃO ENTRE AS INVENÇÕES DE SERVIÇO E AS INVENÇÕES CASUAIS, Revista dos Tribunais | vol. 1005/2019 | p. 113 – 164 | Jul / 2019 | DTR\2019\31913), ob. Cit.)
Nessa mesma linha, Karlo Fonseca Tinoco, tratando sobre o tema, leciona:
“segundo a norma em comento, em contrapartida ao direito de explorar exclusivamente o invento realizado pelo inventor-empregado, o empregador deve remunerá-lo de forma justa. (…). Assim, o inventor-empregado não receberá royalties pela exploração da invenção, mas sim uma “justa remuneração”. (Karlo Fonseca Tinoco, O REGIME DE INVENÇÕES DE EMPREGADOS NO DIREITO BRASILEIRO À PROVA DOS TRIBUNAIS, Revista dos Tribunais | vol. 1021/2020 | p. 171 – 189 | Nov / 2020 | DTR\2020\12860)
Dessa forma, para o empregador é relevante identificar as invenções que foram realizadas por seus empregados de forma eventual, não apenas a fim de promoverem a iniciativa de seus colaboradores, remunerando-se de forma condizente, mas também a fim de evitar eventuais ações judiciais daí decorrentes, visando o pagamento da justa remuneração prevista em lei.
Caso necessite, a banca da Peduti Advogados certamente poderá lhe auxiliar neste sentido.
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Advogados autores do comentário: Camila Cardeira Pinhas Pio Soares e Cesar Peduti Filho, Peduti Advogados
Fonte:
Karlo Fonseca Tinoco, O REGIME DE INVENÇÕES DE EMPREGADOS NO DIREITO BRASILEIRO À PROVA DOS TRIBUNAIS, Revista dos Tribunais | vol. 1021/2020 | p. 171 – 189 | Nov / 2020
MANSUR, Julio Emílio Abranches, A Retribuição Econômica Devida Aos Empregados Pela Exploração De Invenção Mista, Revista da EMARF (Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região) – jan/ 2007, p. 113/145
Nuno Pires de Carvalho, INVENÇÕES DE EMPREGADOS: CRITÉRIOS PARA A DISTINÇÃO ENTRE AS INVENÇÕES DE SERVIÇO E AS INVENÇÕES CASUAIS, Revista dos Tribunais | vol. 1005/2019 | p. 113 – 164 | Jul / 2019)
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