Em linhas gerais, a nulidade de uma patente somente pode ser declarada por meio de ação de nulidade que deverá ser proposta perante a Justiça Federal, em razão da necessária participação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Autarquia Federal responsável pela concessão de patentes no Brasil, no polo passivo, conforme determina o art. 57 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96).
É importante destacar que uma patente será nula quando não reunir os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, de acordo com o que preconiza o art. 8º da Lei de Propriedade Industrial.
Assim, acaso provado em uma ação de nulidade perante a Justiça Federal que a patente não reúne os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, o privilégio será declarado nulo e referida nulidade produzirá efeitos perante todas as pessoas e toda a sociedade (o que se denomina efeito “erga omnes”).
Contudo, há que se ressaltar que a Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 56, parágrafo 1º, prevê a possibilidade de uma patente ser declarada nula por outro juízo que não o da Federal, em ação que não se buscava, originariamente, a nulidade do privilégio.
Isso porque, de acordo com o que reza aquele artigo, “A nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa”.
Isso significa dizer que, caso o titular de uma patente proponha uma ação judicial de abstenção de uso de seu privilégio contra alguma pessoa que esteja supostamente violando a carta patente, o réu naquela ação poderá alegar em contestação, ou em qualquer momento no processo, que a patente é nula.
Nesse caso, a nulidade da patente consistirá em sua matéria de defesa e o magistrado da Federal, se constatado por meio de prova técnica que a patente não atende aos requisitos exigidos pela Lei de Propriedade Industrial, poderá declarar o privilégio nulo.
Essa nulidade, contudo, produzirá efeito somente entre as partes daquela ação de abstenção (o que se denomina efeito “inter partes”), pois, como visto, somente por meio de uma ação de nulidade apreciada e julgada pela Justiça Federal a nulidade da patente produzirá efeitos em relação a todos (efeito “erga omnes”).
A posição dos tribunais pátrios sobre a declaração de nulidade incidental de patente
Apesar de a Lei de Propriedade Industrial prever a possibilidade de declaração incidental da nulidade de uma patente pelo acolhimento desse argumento como matéria de defesa, observa-se que os tribunais pátrios não têm aplicado a norma da maneira como ela foi concebida e para os propósitos a que se destina.
A possibilidade de a Justiça Estadual declarar a nulidade incidental da patente entre as partes que contendem em uma ação de abstenção gera alguns benefícios, como, por exemplo, a economia processual, pois o prejudicado não precisará distribuir uma ação de nulidade da patente perante a Justiça Federal.
Entretanto, e apesar dos benefícios trazidos pela declaração incidental da nulidade da patente, os tribunais pátrios ainda relutam na aplicação do dispositivo para se permitir à Justiça Estadual a declaração de nulidade da patente.
Talvez a decisão mais conhecida sobre o assunto seja o acórdão proferido no REsp 1.132.449/PR¹, que contou com a relatoria da Ministra Nancy Andrighi. De seu voto se extrai:
Ainda que a lei preveja, em seu art. 56 §1º, a possibilidade de alegação de nulidade do registro como matéria de defesa, a melhor interpretação de tal dispositivo aponta no sentido de que ele deve estar inserido numa ação que discuta, na Justiça Federal, a nulidade do registro. Não faria sentido exigir que, para o reconhecimento da nulidade pela via principal, seja prevista uma regra especial de competência e a indispensável participação do INPI, mas para o mero reconhecimento incidental da invalidade do registro ao se exija cautela alguma. Interpretar a lei deste modo, como bem observado pelo i. Min. Direito, equivaleria a conferir ao registro perante o INPI uma eficácia meramente formal e administrativa.
Esse entendimento é o que ora vigora nos tribunais pátrios, sendo de relevo destacar que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, recentemente, consolidou essa orientação², declarando o Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze, para afastar a possibilidade de a Justiça Estadual declarar a nulidade incidental de patentes, que:
a previsão legal para formulação de pedido incidental de nulidade de patente como matéria de defesa, a qualquer tempo (artigo 56, parágrafo 1º, da Lei 9.279/1996), deve ser interpretada de forma harmônica com as regras de competência absoluta para conhecimento da matéria.
É interessante observar que o afastamento da competência da Justiça Estadual para declarar a nulidade de uma patente, ainda que incidentalmente, foi baseado no entendimento proferido pelo STJ no Recurso Especial nº 1.527.232/SP, que, afetado ao regime dos repetitivos, gerou o Tema 950³, por meio do qual a Corte Superior fixou, dentre outros mandamentos, que a Justiça Estadual não detém competência para declarar a nulidade de uma marca.
Apesar de a tese adotada no Tema 950 se referir a marcas, entendeu o Ministro Marco Aurélio Bellizze que o mesmo raciocínio poderia ser aplicado à nulidade de patentes, considerando que a aquisição do direito sobre a patente também se dá com o aval do INPI e tal direito somente pode ser desconstituído por meio de processo administrativo ou judicial próprios para esta finalidade.
Nessa linha, e de acordo com a notícia veiculada pelo site do Superior Tribunal de Justiça:
[…] o relator assinalou que, no caso, o juízo estadual realmente não poderia ter avançado no conhecimento do pedido de nulidade dos registros formulado na contestação. Segundo ele, cabia à empresa ré – tendo em vista a necessidade de participação do INPI e a consequente competência do juízo federal – propor a ação de nulidade no juízo competente, “situação em que seria de rigor a observância da prejudicialidade entre as respectivas demandas”.
Diversas são as críticas doutrinárias feitas ao entendimento que vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e replicado pelos demais tribunais pátrios, pois há uma distorção do intuito do legislador com o artigo 56, parágrafo 1º, da Lei de Propriedade Industrial. Nesse sentido, relevantes são as lições de Lélio Denícoli Schmidt4 sobre o assunto:
A nosso ver, há que se aferir o papel que a nulidade desempenha no processo, pois, à medida que esta função variar, serão distintas as soluções. Se a invalidade estiver colocada como causa de pedir ou fundamento de defesa, a Justiça Estadual terá plena competência para apreciá-la. Somente se a nulidade for objeto do pedido é que a competência será exclusiva da Justiça Federal. A esta conclusão se chega com a análise da diferenciação existente entre o poder cognitivo e o poder decisório, expressão não só no Direto Processual, mas também na própria legislação material.
Não obstante as críticas doutrinárias sobre a atual posição dos tribunais sobre a aplicação do parágrafo 1º do artigo 56 da Lei de Propriedade Industrial, que, na realidade, parecem desvirtuar o intuito daquele dispositivo, a proteção dos direitos
Conclusão
Apesar de a Justiça Estadual poder declarar a nulidade incidental de uma patente, com efeito “inter partes”, de acordo com a previsão contida no art. 56, §1º, da Lei de Propriedade Industrial, a orientação dos tribunais brasileiros, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, caminham no sentido de que apenas a Justiça Federal pode declarar a nulidade de um privilégio patentário.
Na prática, a recomendação é de que a pessoa física ou jurídica acionada pelo titular de uma patente na Justiça Estadual, além de suscitar a nulidade como matéria de defesa, proponha uma ação específica na Justiça Federal para que a defesa de seus direitos seja realizada de forma completa, para se tentar evitar uma eventual ordem de abstenção de fabricação ou comercialização de seus produtos pela Justiça Estadual por violação de uma patente nula.
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¹ Julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em 13.03.2012. Acórdão disponível em: <stj.jus.br>.
² O número do recurso e do processo não foram divulgados em virtude de a ação tramitar em segredo de justiça. A notícia e as informações apresentadas foram colhidas do site do STJ, sendo a reportagem disponibilizada em:< https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Para-Terceira-Turma–acao-de-nulidade-de-patente-e-prejudicial-externa-apta-a-suspender-acao-de-indenizacao.aspx>
³ Assim dispõe a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 950: “As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal, e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória.”
4 SCHMIDT, Lélio Denícoli. O reconhecimento incidental de nulidade de registro de marca ou privilégio de patente. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial n. 22, Mai/Jun 1996, p. 37.
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Advogado autor do comentário: Carlos Eduardo Nelli Principe
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